Opinión

Estamos no ano de Carvalho Calero

Resulta muito difícil para mim entender que se tenha tanto no esquecimento a uma pessoa que sempre trabalhou durante décadas e décadas polo idioma galego e por Galiza. D. Ricardo Carvalho Calero, que tivem a sorte de conhecer e tratar, há tempo que tinha que receber na Nossa Terra a homenagem que bem merece polo seu grande labor e amor por Galiza. Académico que foi da RAG desde o ano 1958, em que entrou como tal com o seu discurso de ingresso sobre o tema : 'Contribuiçom ao estudo das fontes literárias de Rosalia', resulta aínda muito mais difícil compreender como esta instituiçom nom tenha decidido, como deveria ser, que se lhe dedicasse este ano a festividade das Letras Galegas. Precisamente neste ano de 2010 cúmprem-se os cem anos do seu nascimento e os vinte do seu pasamento. D. Ricardo, que era como carinhosamente o tratavamos os seus discípulos e amigos, tinha nascido em Ferrol o 30 de outubro de 1910, falecendo em Compostela, onde morava, o 25 de março de 1990. Ademais da sua grande bondade e amor pola Terra, eu quero salientar as suas múltiplas virtudes como intelectual e polígrafo, cultivador de poesia, teatro, romance e ensaio literário, filológico ou sociolingüístico, alem de brilhante orador. De verbo tam cálido, que era um prazer escoitá-lo ou té-lo como interlocutor.


Em 1926 terminou o bacharelato e matriculou-se na Universidade de Compostela, onde estudou Direito e Filosofia e Letras, que terminou respeitivamente em 1931 e 1936. Foi membro activo do Seminário de Estudos Galegos (SEG), no que ingressou em abril de 1927, chegando a exercer no mesmo de secretário geral. Em 1931 será co-fundador do Partido Galeguista e elaborará com Luis Tobio o primeiro ante-projecto do Estatuto de Autonomia para Galiza. A guerra do 36 surpreendeu-no em Madrid, onde se incorpora ao exército republicano. Ao final da mesma, em 1939, é julgado e condenado a doze anos de cárcere. No ano de 1941 regressa a Ferrol em liberdade controlada, dedicando-se ao ensino privado, ao nom permitir-se-lhe a colegiaçom, para exercer no público. Anos depois, em 1950, deslocará-se para trabalhar em Lugo, onde exercerá como professor e director do Colégio 'Fingoi'. Um colégio modelo desde o ponto de vista pedagógico, ao pôr em prática os métodos e estratégias didácticas próprios da ILE de Giner e Cossio, fomentando nos alunos o amor polo teatro, a investigaçom do próprio entorno e todas as artes. Um dos seus docentes deste centro educativo foi o actual presidente da RAG, o que tanta fóbia lhe tem a D. Ricardo, tam inexplicável que mesmo chegou a dizer recentemente uma autêntica barbaridade : 'que antes que Carvalho há vinte para dedicar-lhes as Letras Galegas'. Em 1955 doutora-se na Universidade Complutense com prémio extraordinário. Em 1972 ganha a primeira cátedra de Lingüística e Literatura Galega da universidade compostelana, exercendo na mesma antes de professor interino de Galego. Em 1979 preside a Comissom Lingüística da Conselharia de Cultura da Junta da Galiza, sendo conselheiro Alejandrino Fernández Barreiro. Esta comissom era a encarregada de elaborar uma normativa de concórdia para a nossa língua. Este seu trabalho foi deitado abaixo mais tarde, em 1982, polo famoso decreto Filgueira, que aínda padecemos hoje, sem ter em conta para nada as alternativas lingüísticas equilibradas que propunha a comissom presidida por D. Ricardo. A finais dos anos setenta adire ao reintegracionismo lingüístico. Entre os muitos livros ensaísticos que publicou, quero destacar a História da Literatura Galega Contemporânea (1963), a Gramática Elemental do Galego Comum (1966), Problemas da Língua Galega (1981), Da fala e da escrita (1983), Letras Galegas (1984), Do Galego e da Galiza (1990) e Umha voz na Galiza (1992). Da sua obra de criaçom literária, bastante extensa tambem, brilha com luz própria o seu estupendo romance Scórpio (1989). Assim mesmo merecem ser destacados os seus livros Vieiros (1931), A gente da Barreira (1951), Saltério de Fingoi (1961), Pretérito imperfeito (1980), Futuro incondicional (1982), Teatro completo (1982), Cantigas de amigo e outros poemas (1986) e Reticências (1990). Para conhecer o seu pensamento som tambem interessantes as leituras dos livros de conversas sostidas com ele por Carme Blanco, Pilhado Maior e Salinas Portugal, e o livro biográfico de Monteiro Santalha, Carvalho Calero e a sua obra. A Fundaçom 'Meendinho', da que me honro formar parte do seu conselho, está organizando uma campanha para levantar em Compostela um busto de D. Ricardo, agradecendo todo tipo de aportaçoes a pessoas particulares e às diferentes instituiçoes públicas e privadas. Na revista O Ensino, a cujo conselho de redacçom pertencim, como secretário, D. Ricardo, de forma premonitória chegou a dizer em 1987 : 'Todo o mundo sabe que eu professo em matéria lingüística as ideias tradicionais, as ideias de Castelao, e como estas ideias som contrárias às ideias que reinam no mundo oficial, no aspecto cultural, pois, nom tenho muito predicamento, ao parecer, dentro dessas esferas. Consideram-me como um herege, como um cismático, ou como um corruptor da mocidade e se me exclui positivamente dos organismos oficiais'. Infelizmente, para descrédito das instituiçoes oficiais, com a RAG à cabeça, a infámia continua neste ano que tinha que ser o seu, e que por dignidade mereceria. Embora, no ano de 1996, em acordo plenário, o Parlamento da Galiza nomeia-o por unanimidade Filho Ilustre da Galiza, ao mesmo tempo que instala a sua imensa biblioteca pessoal num local do próprio Parlamento. Tema este tambem muito silenciado. Merece tal tratamento, por parte do mundo oficial, este nosso intelectual coerente e honesto?

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