Opinión

A romaría do poeta Lhoidev

Sobre este poeta existe toda uma imensa lenda. Filho de Bhoiadeva e Radhadevi, nasceu na aldeia bengalesa de Kenduli T odos os anos, desde há séculos, em Janeiro, celebra-se no distrito bengali de Birbhum uma magna romaria. No lugar de Kenduli, ao lado do rio Olhoi, nasceu alá polo século doze um grande poeta chamado Lhoidev (em hindi seria Jadadeva, lendo o jota como lh). O seu livro poético Guita-Govinda tivo tanta influência na cultura, na literatura e mesmo na religiom hinduísta da Índia, que, depois de séculos, continua a ser venerado com um agarimo incrível. A romaria que se organiza cada ano na sua aldeia é impressionante. O lugar é formosíssimo, com um enorme areal ao lado do rio e muitos pequenos templos ou capelas dedicados as divindades relacionadas com o amor. Desde 2001 tinha escuitado maravilhas desta romaria, que dura quatro ou cinco dias. Por diversas razões ia pospondo a visita à mesma. Mas o presente ano tomei a feliz decisom de ir. O passado dia 12 foi o dia principal. Para chegar ali aluguei um táxi e, acompanhado por quatro amigos bengalis, alá fum. Antes passámos por Sriniketon, lugar onde Tagore criou a sua Quinta Pedagógica e as escolas rurais, artesanais e profissionais, e logo de atravessar uma fraga de mais de quinze quilómetros, chegámos à vila de Iliambaiar. A uns doze quilómetros de caminho está Kenduli (antigamente chamado Kindubilva).


Os meus olhos nom davam crédito ao que estava vendo. A beleza da paisagem, o largo areal e o rio, que na época dos monções se enche de água, a infinidade de árvores, de pássaros, de animais Mas, especialmente, o imenso número de pessoas, chegadas em todo o tipo de transportes (carros de vacas e de búfalos, bicicletas, motos, autocarros carregados a abarrotar mesmo na sua cimeira, ... algo assim como o Rocio em grande). Infinidade de casais com as suas crianças, jovens e velhos, ascetas chamados soniosis, vendedores de todo tipo de cousas, romeiros e muitos músicos ambulantes, chamados ‘bauls’, com os seus trajos cor-de-laranja e a sua ektara de uma só corda. A festa preferente para estes músicos é precisamente esta. Lhoidev é a sua divindade e quase podemos dizer que nestes dias nom há baul que more nos estados indianos de Orissa, Bihar e Bengala, que nom assista a esta romaria. Ao longo de todas as noites nom param de tocar e de cantar. Polas manhãs descansam.


Mas, quem foi Lhoidev? Sobre este poeta existe toda uma imensa lenda. Filho de Bhoiadeva e Radhadevi, nasceu na aldeia bengalesa de Kenduli. Foi poeta da corte de Lakshman Sen, que reinou em Bengala no século doze. Comenta-se que num princípio nom quis casar com Padmavati e, persistindo na sua vida ascética, retirou-se a uma pequena cabana onde escreveu a sua imortal obra, o Guita Govinda em sânscrito tardio e em bangla, no qual por meio de muito doces e musicais palavras narra o amor divino entre Radha e Krishno, a alma e Deus. Esta obra é o poema lírico mais famoso da Índia. Erótico e religioso ao mesmo tempo, para muitos é um largo poema místico, em que se representa o ‘amor divino’, mistura de erotismo e misticismo. O seu valor artístico é de primeira ordem. As suas apaixonadas estrofes, as suas imagens sensuais, o exótico das suas personagens e ambientes descobrem-nos a Índia sempre misteriosa e fascinante. A obra influiu muito nas seitas do deus Vishnu e na produçom literária medieval do norte da Índia, por meio dos famosos poetas vaishnavas. O seu autor é um estilista que dita a moda. Utiliza a prosa poética, chamada ‘guiti kavya’, que é usada em canções. Os maiores poetas que houve depois, copiaram o seu estilo, porém nom puderam reproduzir o mesmo encanto.


Composto por um total de 24 cantos entrelaçados, o Guita Govinda é um livro de amor e, ao mesmo tempo, de elevado sentimento hinduísta. Já é muito formoso o seu primeiro canto do começo: ‘Em certo anoitecer Krishno estava com seu pai, Nanda, na gosala. Nanda encontrando-se com Radharani e as suas ’sakhis’ disse: ‘Oh Radhike! Meu filho assusta-se com facilidade. Veja como o céu está repleto de nuvens carregadas... e a floresta mergulha numa profunda escuridom com as suas árvores tamalas. Assim peço a você que escolte Krishna de volta para casa. Diante do pedido de Nanda, Radha e Madhava embrenham-se polos nikunjas da floresta às margens do Jamuna para desfrutarem das brincadeiras de amor em segredo; que esse Radha Keli seja sempre glorificado manifestando-se nos corações dos rasika bhaktas’. No Brasil, em Porto Alegre, existe a Sociedade Internacional Gita do Brasil (Sanatana Dharam Brasil). Na sua página da Internet amostra-se completo na nossa língua o Guita Govinda e, com acerto, ao lado de cada poema mantém-se também a sua versom no original sânscrito (Veja-se: http://gita.ddns.com.br/gita-govinda/gitagovinda-online3.php).


Em castelhano existem duas edições deste livro. A de Biblioteca Nueva e, a mais recente, a de J.J. Olanheta de Palma de Maiorca. A romaria que comentámos ao início deste nosso artigo trouxo-nos com nostalgia a lembrança das nossas romarias galegas da Nossa Senhora da Barca, de Santo André de Teixido, da Virgem do Corpinho, da Madanela, da Saleta, do Desterro, dos Milagres de Amil e Banhos de Molgas, do Sam Bento do Leres e do Maranhão, da Franqueira, da Peneda e de muitas outras. Com a diferença no número de romeiros. Que na Índia é necessário multiplicar por mil se as compararmos com as nossas.


(*) Professor titular da Faculdade de Educacom de Ourense

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