Vivências com Carvalho em Ourense

Antes de começar o nosso relato, devemos situar-nos no tempo. Foi nas primeiras semanas de outubro de 1965, quando os alunos de 5º curso da primeira promoçom de Filologia Românica, assistíamos pola primeira vez na história da Universidade de Santiago às aulas de língua e de literatura, disciplina encarregada a um professor já sexagenário, e da qual passará a ser Professor Catedrático em 1972. Nesta matéria havia atividades teóricas e práticas, que consistiam (para além da leitura e análise de textos) em entrevistas a informantes do nosso lugar de residência. A língua das entrevistas era o galego, umha forma inteligente de conseguir que esse grupo de futuros professores reflexionasse sobre a funçom de umha língua minorizada. Buscava fixar o esquema de um ideal lingüístico e manejando critérios geográficos, históricos e sociais apresentava-nos “um galego comum”. O dia 16-VII-1966, sabemos polo Epistolario a Fernández del Riego (Vigo, Galaxia, 2006, pág. 411-413), que numha carta anuncia, que vai receber umha instância da sua aluna Carmen Enríquez Salido em solicitude de umha bolsa; alegava que o assunto já estava convido com Dom Antonio Fernández. Solicitava que lhe enviassem a instância para o seu informe e anunciava que eles pagariam. Alegava que essa rapariga estava a estudar ´A fala do Grove’. Esse trabalho concluiu em 1971, no paraninfo da Universidade, com a defesa da nossa tese de doutoramento El habla de O Grove. Na primeira semana de agosto de 1972, Dom Ricardo acompanhou-nos à igreja de Sar em Compostela, pois que o pároco precisava saber (por duas testemunhas) se nom estava casada em nengumha parte do mundo; a resposta fora: ‘até onde el sabia, nom estava casada’. Do ponto de vista científico devemos pôr em destaque o seu humanismo, porque toda a sua vida estivo dedicada à Galiza e presidida polo amor à Ciência. Estám presentes o realismo, a tradiçom, o antidogmatismo e o bem público ou responsabilidade social. É um dos poucos investigadores do seu tempo, que vai construir a sua teoria sobre a língua da Galiza, como um sistema relacionado com o pensamento, a sociedade, a cultura, a história política, as instituiçons e a extensom geográfica das línguas. Ocupou-se da gramática normativa, porque essa gramática será a manifestaçom metalingüística explícita desta dimensom; o galego moderno nom podia seguir abandonado à espontaneidade popular, devia submeter-se a regras. Iniciamos as nossas viagens em Ribadávia. Tinha sido convidado como pregoeiro na “XVII Feira do Vinho de Ribadávia”, Este texto estava guardado numha gaveta do seu escritório e nom tería sido publicado, se “alguém nom lho tivesse solicitado para que formasse parte de un livro que recolhesse textos inéditos” (Letras galegas, 1984). O próprio autor assim o manifestava na carta, que nos entregou a Professora Aurora Marco: “Fique patente, pois, o meu agradecimento aos oradores desta tarde, os Professores Maria do Carme Henríquez Salido, intrépida luitadora pola causa da nossa língua, inaccesível ao desalento, inesgotável na abnegaçom (...).Especialmente fermosas som as palavras dedicadas a louvar “a beleza geórgica do Ribeiro”, “o vinho do Ribeiro”, que como um deus agrário “reveste mil formas”. Estabelece um símil entre o vinho e a língua, ambos precisavam ser autênticos, rejeitar energicamente todas as adulteraçons, e apresentar-se puros no concerto dos vinhos e das línguas: “Se o ribeiro ha de ser ribeiro e o galego ha de ser galego, o que é o mesmo que dizer, se o ribeiro e o galego querem ser algo, e nom nada, ham manter as essências que os fixerom serem o que som (...).” Estivo em Ourense no salom de actos da Caixa Rural, o 20 de setembro de 1984, onde acolheu os assistentes ao I Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza. Afirmava )Dom Ricardo: “Reunimo-nos aqui os estudiosos do romanço hispânico atlântico que quigerom e puderom concorrer, para falarmo-nos e escuitarmo-nos mutuamente, dando fe da realidade, reconhecida tradicionalmente polos grandes mestres da Filologia, da unidade substancial do sistema lingüístico”. Congregavam-se nesta cidade “por radicar nela a Presidência da Associaçom convocante e por ser sede de umha Deputaçom Provincial que agarimou a ideia cordialmente”. Rememorava que estávamos num momento crítico, em que “a nossa língua agora cooficial co castelhano neste país, nom por isso deixa de estar ameaçada de desorbitaçom ou esmorecimento”. Sublinhava: “O galego é galego-português (...). Pertence à área ibero-românica ocidental, nom à área ibero-românica central. É lógico que, consoante à geografia e história, isto repercuta na plasmaçom gráfica do idiom” (...). Deveu de ser em 1986 ou 1987, quando proferiu umha palestra, no salom de plenos da Câmara Municipal de O Carvalhinho, lembro que nessa altura o Presidente era Argimiro Marnotes. Dom Ricardo estivo majestoso, próximo ao auditório e com rigor científico. Ao finalizar, tomamos umhas troitas no restaurante ‘Chez Richard’. A última vez, que estivo em Ourense, foi no II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, na Caixa Rural, os dias 24 a 27 de setembro de 1987. Na sua ponência intitulada “Bilingüismo e reintegracionismo nas cartas cruzadas entre Castelao e Sánchez Albornoz” (Actas, 1990, págs. 887-900). dizia:: “Cabem muitas possibilidades interpretativas da fómula; mas eu creio que a mais correcta em virtude do contexto histórico é a mais ‘reintegracionista’, (…) “o galego incorporaria-se ao sistema de que foi protótipo e que hoje tem como arquétipo a norma lisboeta, sem deixar de ser galego, conservando a sua fonética, a sua morfologia e o seu léxico peculiares no que tenhem de genuínos” (pág. 900)” (…). Da mais importante homenagem fica constância nas ‘Actas’ do III Congresso internacional da língua Galego-Portuguesa na Galiza,. celebrado em Ourense em 1990. Podem ver-se os trabalhos e nas páginas 640-641 fotografias de ponentes e da única autoridade provincial que nos acompanhou, José Luis Baltar. Dom Ricardo tivo centenares de alunos. Umha fórmula, para distinguir os antigos alunos dos dicípulos, pode verificar-se lendo os dous tomos da obra de 1007 páginas, preparada polo Professor Catedrático da Universidade de Santiago, José Luís Rodriguez, Estudos dedicados a Ricardo Carvalho Calero (2000, Parlamento de Galicia e Universidade de Santiago)..Os alunos escrevem numha norma substancialmente coincidente com a modalidade de galego que vemos no DOGA; polo contrário, os seus discípulos usamos o ‘Acordo ortográfico para a lusofoni (1990)’. No que diz respeito, à autora deste texto, devemos acrescentar que temos exercido como docente em Institutos e Universidades. Temos umha grata lembrança dos nossos companheiros e estudantes do ‘Instituto d’A Ponte!’. Um daqueles moços, Alberto Núñez Feijó, chegou a ser Presidente. da nossa «nacionalidade histórica».