Eurovisão, Israel e geo-política banal

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Não compreendo a polémica desencadeada pelos votos espanhóis na canção israelita, mas, por outro lado, compreendo perfeitamente a razão de um debate tão intenso sobre o assunto. Por um lado, é óbvio que, se um país é autorizado a participar num concurso deste tipo, seja ele musical ou desportivo, é lógico que possa participar em igualdade de condições. É como permitir que a Rússia participe nos Jogos Olímpicos e depois queixar-se de que um atleta dessa nacionalidade vence o nosso. A cantora de Israel tem o mesmo direito que os outros de tentar ganhar a competição. Outro debate é se ela deveria ou não ter sido excluída antes e, em caso afirmativo, por que razão apenas na Eurovisão e não em competições noutros desportos ou eventos científicos e culturais internacionais. O sistema de votação pré-pago também era bem conhecido e ninguém pensou em objetar a ele antes do concurso. A questão de saber se esta forma de selecionar os vencedores é justa ou injusta também pode ser discutida, mas não depois de os resultados serem conhecidos.

Mas compreendo que haja um debate político. Há vinte anos, Michael Billig escreveu um livro, Nacionalismo Banal, que fez fortuna ao explicar como os Estados se legitimam interna e externamente através de símbolos supostamente apolíticos, mas de enorme eficácia simbólica, e é o próprio facto de parecerem irrelevantes ou banais o que lhes dá essa força expressiva.

Concursos musicais como a Eurovisão servem para reforçar os laços simbólicos que unem politicamente os países

A utilização interna de eventos como a lotaria nacional, especialmente a lotaria de Natal, equipas de futebol, determinados atletas ou concursos musicais como a Eurovisão servem para reforçar os laços simbólicos que unem politicamente os países. Servem também como imagem de marca para o exterior, ajudando a branquear a sua imagem no caso de esta ser manchada por outras questões muito mais “políticas”, como as guerras ou as violações sistemáticas dos direitos humanos.

O seu valor simbólico ultrapassa o de muitas instituições aparentemente mais importantes, como a facenda ou mesmo os preceitos legais ou administrativos. É muito mais provável, para dar um exemplo próximo, que o Governo espanhol de a transferência do fisco a Catalunha, ou que ceda em questões linguísticas, do que lhe conceda a possibilidade de competir internacionalmente num Campeonato do Mundo, nuns Jogos Olímpicos, na Eurovisão, ou noutro evento musical. A imagem de separação que seria dada e as emoções que se desencadeariam na opinião pública penso que seriam muito maiores do que a concessão do estatuto de nação.

Israel também conhece bem o potencial mobilizador de tais expressões e utiliza-as há anos como forma de propaganda. A utilização de ícones LGTBI neste tipo de festivais, por exemplo, permitiu-lhe apresentar-se como um campeão da causa na região, em comparação com os seus vizinhos muito menos sensíveis, permitindo-lhe suavizar a sua imagem, especialmente entre os sectores progressistas do Ocidente, que estão também entre os mais críticos da sua ação externa. Tem mesmo agências administrativas para este tipo de trabalho de propaganda. Outros países utilizam séries românticas para o mesmo fim, como a Turquia, para projetar influência externa, o famoso poder brando do recentemente falecido Robert Nye. A Eurovisão é tão política, se não mais, do que a lei do litoral ou a reforma do sistema judicial. Não a banalizemos.

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